terça-feira, 22 de outubro de 2013

CASA PIA - HERMAN JOSÉ - "UMA ACUSAÇÃO COM HUMOR"




A história tem requintes de humor e malvadez, não fosse o caso ser tão sério. Em causa estava uma acusação contra Herman José e o seu envolvimento na alegada rede – perdão, associação informal – de pedofilia que operava na Casa Pia de Lisboa. Atente-se bem na acusação que foi feita o conhecido humorista pelo Ministério Público:
“Do crime de homossexualidade com adolescentes praticado pelo arguido Herman José:
O arguido Carlos Silvino conhecia o arguido Herman José, pelo menos desde 1985, uma vez que este havia frequentado algumas das casas onde aquele arguido levava menores da CPL para serem sujeitos a práticas sexuais.
4.6.1. - Ofendido Vando Miguel Nunes Teixeira, nascido em 24.10.1986 (tinha 16 anos quando fez as declarações)
Em dia indeterminado da Primavera de 2001, o arguido Carlos Silvino, depois de ter sujeito a práticas sexuais o menor Vando Teixeira, conforme já se descreveu noutro capítulo
deste despacho, apresentou-o ao arguido Herman José, numa pastelaria, em Belém. O arguido Herman José era um dos actores mais conhecidos do país e o menor ficou maravilhado pelo facto de conhecer de perto uma vedeta da televisão que, nesse dia, se
prontificou a levá-lo ao Colégio. Nessa altura o arguido Herman José facultou ao menor o seu número de telefone, insistindo para que lhe ligasse quando quisesse. Explicou-lhe que lhe poderia ligar a pagar no destino, devendo marcar antes do número o prefixo 090. Umas semanas depois, antes das férias de Verão de 2001, o menor resolveu ligar ao arguido Herman José, pois queria conversar com ele, aproveitando a disponibilidade deste, já
que não era vulgar ter a oportunidade de se voltar a encontrar com uma personalidade tão
conhecida.
Assim, o menor telefonou ao arguido Herman José e combinaram um novo encontro. O arguido recolheu o menor perto do Colégio de D. Maria Pia e levou-o a passear até à praia do Estoril, onde lancharam, conversando sobre a vida do menor, os seus problemas, anseios e inquietações. Depois, o arguido deixou-o perto do Colégio. O menor estava fascinado com o que lhe estava a acontecer.
Voltaram a encontrar-se uma semanas depois, tendo o arguido levado o menor a um
café perto da Boca do Inferno, em Cascais. Uns meses depois do começo do novo ano lectivo, perto de Janeiro de 2002, o menor resolveu voltar a telefonar ao arguido Herman José. Combinaram novo encontro, tendo este recolhido o menor perto da estação de Alcântara. Já era de noite e foram até um café nas imediações onde conversaram, como era costume, sobre a vida de ambos. Umas semanas depois, a 8 de Fevereiro de 2002, tinha o menor 15 anos de idade, este, depois de uma Festa de Carnaval da escola que frequentava e quando se encontrava um pouco alcoolizado, resolveu telefonar ao arguido Herman José, combinando encontrar-se nessa mesma noite, perto das 23 horas, junto da estação de comboios de Alcântara. À hora marcada o menor dirigiu-se a Alcântara, onde o arguido o aguardava numa viatura automóvel, grande e preta, onde o menor entrou. De seguida o arguido Herman José conduziu a sua viatura até um local, não muito longe dali, escuro e onde não passava ninguém. Uma vez aí, o arguido perguntou ao menor porque não lhe fazia o mesmo que já tinha feito com o Bibi. O menor mostrou-se surpreendido, mas o arguido Herman José descreveu .em pormenor o que se passara entre este e o arguido Carlos Silvino: masturbação, sexo oral e anal. O menor apercebeu-se então que o arguido Carlos Silvino tinha contado ao arguido Herman José tudo o que se passara entre ambos.
De seguida, o arguido Herman José manipulou o pénis do menor, beijou-o na boca, agarrou na cabeça do menor e introduziu-lhe o seu pénis na boca, tendo depois introduzido o pénis no ânus do menor, aí o tendo friccionado até ejacular. No final o arguido Herman José levou-o até à casa de um colega, onde o menor tinha autorização para pernoitar, tendo regressado ao Colégio na manhã seguinte.
O arguido Herman José sabia que o menor que sujeitou à prática dos actos sexuais descritos tinha idade inferior a 16 anos. Sabia, igualmente, que a idade desse menor o impedia de se decidir livremente e em consciência pela prática dos actos descritos de que foi vítima. O arguido Herman José tinha perfeito conhecimento de que os actos de natureza sexual a que submeteu o menor Vando Teixeira prejudicavam o seu normal desenvolvimento físico e psicológico e que influíam negativamente na formação da respectiva personalidade. arguido sabia também que o menor Vando Teixeira nunca mantivera qualquer relacionamento de natureza sexual, fora do contexto das práticas sexuais a que fora sujeito por si e pelo seu co-arguido Carlos Silvino, aproveitando-se da especial fragilidade, vulnerabilidade e inexperiência do menor, bem como do fascínio que sabia exercer sobre este, para concretização das práticas sexuais descritas. Agiu de modo voluntário, livre e consciente, querendo satisfazer os seus instintos libidinosos, bem sabendo que as condutas atrás descritas eram proibidas pela lei penal..”

Herman José recordou dia em que foi interrogado e constituído arguido, a 30 de Maio de 2003, numa entrevista que deu ao “Diário de Leiria”: “Fui acusado publicamente durante imenso tempo com nada de definido ou certo. Tudo muito no no ar, sem se saber porquê, para depois se perceber que era uma acusação de um gajo maluco, acerca de um dia em que eu estava no Brasil, sem hipóteses de ter praticado o que quer que fosse. Mas até isso se perceber, as pessoas podiam ter recusado a minha presença.
Sente que foi alvo de um assassinato de carácter?
É muito mais grave do que isso. Só daqui a uns anos é que se vai perceber. Outros coitados ainda estão a tentar provar a sua inocência. Não vou dar a minha opinião acerca do assunto, porque não devo, mas pelas minhas palavras depreenderão qual é. O meu caso é absolutamente espantoso fui acusado de coisa nenhuma. ‘É mais ou menos, há-de ser qualquer coisa, não sabemos ainda bem.’ Depois saíam primeiras páginas no jornais em que pessoas viam, a partir do café de Azeitão, carrinhas a entrar e a sair da minha casa. O café, por acaso, fica a dois quilómetros de minha casa. Durante aquele “mais ou menos” as pessoas continuavam a ir aos meus espectáculos e a mandar os filhos beijar-me. Eu ficava a pensar como era possível? Às vezes punha-me à prova em sítios de muita gente, à espera de ouvir uma boca qualquer. E não. Houve quase um cheque em branco. Nunca enganei ninguém. Não vivo de fachadas de nenhuma espécie. Sou o que sou e sempre fui. Sou transparente.
Foi importante sentir o carinho do público?
Foi. Tanto como sentir que vivo num País perigosíssimo, que não tem capacidade de defender os seus cidadãos honestos, impolutos. Percebo que se acuse quando há provas, telefonemas, fotografias, famílias, testemunhas presenciais. Agora, só assim? Alguém que, não se sabe quem, diz uma coisa, algures, numa data. Podiam ter perguntado: ‘nessa data estava onde?’. Nem isso fizeram.”
E não. O Ministério Público e a equipa da PJ que foi colocada à disposição dos procuradores João Guerra, Cristina Faleiro e Paula Soares – a equipa que o procurador-geral da República, Souto Moura, destacou em exclusivo para o caso -, composta por uma quase uma dezena de inspectores, limitou-se a recolher o depoimento da testemunha e, à semelhança do que fez com todos os outros arguidos, não investigou mais nada. Com base em depoimentos, simplesmente, prenderam-se, como diz Herman José, várias pessoas. A pouco investigação que se fez foi posterior às detenções. Só asssim se explica porque motivo nunca foram feitas buscas às casas de Carlos Cruz e que só três meses depois de Ferreira Diniz ter sido preso é que os inspectores foram passar a pente fino a casa e a clínica do médico. Três meses depois? Se o arguido fosse culpado era 90 dias depois que o Ministério Público estava à espera de encontrar alguma coisa que o incriminasse em casa e na clínica? Adiante.
Herman José ficou obrigado a Termo de Identidade e Residência, tendo continuado a apresentar os habituais programas de televisão na SIC. Aliás, no dia em que foi interrogado, o humorista acabou por apresentar os Globos de Ouro no Coliseu de Lisboa.
Claro que quando se soube que na data em que teria abusado da alegada vítima o humorista se encontrava no Brasil, a apresentar em directo o Carnaval do Rio de Janeiro para a SIC, se instalou a confusão e, com a abertura da Instrução – fase processual em que os arguidos ficam a saber se vão ou não a julgamento -, aconteceui aquilo que já se previa: o humorista não foi pronunciado pela juíza Ana Teixeira e Silva. Conforme referi, no despacho de acusação o Ministério Público (MP) fixava a prova com a data de 8 de Fevereiro de 2002. Contudo, o humorista logo fez chegar aos autos algumas provas - nomeadamente cassetes vídeo e bilhetes de avião - que demonstravam ser impossível ter cometido o alegado crime naquela data. Mesmo assim, a juíza de instrução quis ouvir duas raparigas arranjadas à pressa pelo Ministério Publico, supostas amigas do jovem alegadamente abusado, as quais garantiram que o encontro com Herman José teria sido numa outra data. As jovens diziam recordar-se desse pormenor porque terá sido a própria vítima a contar-lhes, logo no dia seguinte, tudo o que se passara. Mas também não conseguiram precisar a data em que tal teria acontecido. Por isso, a magistrada optou por não valorizar estes depoimentos, optando pela não pronúncia. A verdade, é que com estes depoimentos “caídos do céu” e arranjados pelo Ministério Público, o humorista correu sérios riscos de ir a julgamento pronunciado pela prática de um acto homossexual sobre menor, praticado em dia indeterminado, a hora indeterminada e em sítio indeterminado.
A decisão da juíza Ana Teixeira e Silva foi recebido por Herman José com “muito agrado, mas sem qualquer surpresa”. Num comunicado que divulgou na altura, Herman sublinhou a sua confiança na Justiça e disse nunca ter duvidado de que a verdade seria “devidamente reposta”. “A minha confiança na Justiça e nas instituições que a aplicam nunca foi abalada. Não duvidei nem por um momento que a verdade, mais tarde ou mais cedo, iria ser apurada e devidamente reposta”, lia-se no comunicado.
Mas a confiança de Herman José na Justiça tinha na sua base um facto que nunca foi revelado publicamente: o humorista falava regularmente, através de e-mail, com a própria juíza Ana Teixeira e Silva. O contacto entre os dois foi estabelecido por um jornalista que foi casado com uma juíza amiga de Ana Teixeira.
Num e-mail a que tive legalmente acesso, o jornalista escrevia esta mensagem ao conhecido humorista: “Companheiro!!! Ontem, às 17 horas, recebi em casa a simpática visita de 3 energúmenos da PJ, que me vieram notificar para prestar hoje declarações em Lisboa, na qualidade de arguido.Foi a Isabel, a patroa, quem falou ao intercomunicador e, de seguida, lhes abriu a porta. ‘A doutora não nos vai dizer que o professor G. não está. Sabemos que está. As viaturas até estão lá fora.’ Cito integralmente o parágrafo do palavreado que os cavalheiros disseram. Continuo a citar. Agora, a Isabel: ‘Os senhores devem estar habituados a lidar com aldrabões e, nesse caso, bateram na porta errada. Além disso, e antes de lhes responder à vossa não pergunta, agradeço que se identifiquem, os três, na qualidade de membros da PJ’. Dois, tinham crachat. A Isabel foi buscar um bloco e apontou o nome dos três. De seguida, pediu-lhes os BIs e disse ao terceiro, que se tinha esquecido do crachat, que se retirasse de imediato.Assim foi. Saíu.
Cito, ainda: ‘A que propósito é que a doutora nos pede os BIs? Os crachats identificam-nos.’ – eles. ‘Pois. Mas necessito de confirmar se estou ou não em presença de dois farçolas com chachats falsos, ou na presença de dois elementos da PJ. Inclino-me mais, pela forma grosseira como falaram, para a primeira possibilidade’ – ela.
Eles exibiram os BIs.
‘Só um momento’ – disse ela. ‘Vou fazer uma chamada telefónica para o meu primo J. F., Inspector Coordenador da PJ, a fim de confirmar se os nomes que constam nos BIs são ou não de elementos da PJ’.
Nem piaram.
Ouvi, como deves calcular, tudo. Estava no escritório de casa a trabalhar. Apareci.Notificaram-me para comparecer hoje às 16 horas na PJ, para prestar declarações, como arguido, indiciado de ter praticado os crimes de difamação agravada, injúrias, abuso de liberdade de imprensa e incitamento á violência. Às 16 horas, apresentei-me ao serviço. Comigo, foram os advogados (amigos...) R. F., G. P. J. A. B. e G. P. C. e quando entrei na sala, estavam 5(!) PJs, quatro gajos e uma gaja. Leram-me a acusação. Ou seja: leram integralmente o artigo sobre ti que saíu no jornal, os crimes que eles acham que cometi e os queixosos – todos os elementos do MP e da PJ do processo Casa Pia. Sete, ao todo. Não abri o bico.
Falou o G. P.:
‘O nosso constituinte não presta declarações.’ Gelo na sala. Estavam à espera que eu fosse dissertar sobre a história da crónica portuguesa desde o Fernão Lopes até ao Vasco Pulido Valente. Não lhes ofereci a aula. Prestei Termo de Identidade e Residência e sou arguido. Até que enfim. Trocámos... Os quatro advogados cumprimentaram os PJs à saída.
O primeiro que esticou a patola para me cumprimentar ficou com ela no ar, os outros aprenderam. Nem boa tarde.
Querias fofocas, aqui estão.
Obviamente que não comento, a crédito da tua inteligência.
Um abraço!
G. P.
P.S. - A MNM sabia que elas iriam a minha casa e a hora a que o fariam. Fizémos questão de estar. O aparato com que fui teve, no mínimo, o aval dela. Um fartote de boas gargalhadas.
g.”

Não tardou a que a magistrada entrasse em contacto com Herman José: “Meu caro Herman: abusivamente, pedi ao G. que lhe... pedisse o mail, justamente para poder utilizar um endereço sem o adesivo compulsivo da sigla MJ (Ministério da Justiça) e a mais que suspeita patrulha de indesejáveis. O MNM é criação vossa. Mantive. Acrescentei o número 694, que tem a sua história.
Era, nem mais nem menos, o número de páginas que tinha o meu despacho (de instrução), antes de ser sujeito ao desbaste, que fiz com a colaboração imprescindível da Carla e da Isabel, a mulher do G. e o novo mail tem, finalmente, a vantagem de me poupar à cusquice de espreitar o mail do G. e através dele falar consigo. Um beijinho.
Iremos falando.
Disponha.
ATS (Ana Teixeira Silva)”
Seguiu-se uma resposta de Herman José: “Cara MNM, ilustre Amiga, não imagina a alegria que me dá saber que ganhei esta ponte simbólica com alguém que passou a fazer parte da minha galeria de boas emoções. É engraçado como qualquer situação desagradável tem quase sempre um reverso positivo (menos a morte - a menos que não se goste da vítima e se tenha a sorte de ser herdeiro...)
Vou tentar não abusar da sua confiança. Tenho a noção da atipicidade desta relação, mas diz-me o instinto que entre pessoas de bem as coisas nunca tendem a correr mal.
Hoje tive um dia mágico - não imagina a técnica de ‘dolce farniente’ que desenvolvi ao longo dos anos - pastelei na praia, transportei a carcaça até à ginástica, e acabei num Sushi genial que há ali pelos lado da Quinta do Lago (Tzuru).
Como é que está o seu braço ? Pronta para mais abalroamentos?
Fico contente em saber que desistiu da sua (teimosa) fixação de prescindir de protecção. E vou parar por aqui. Sinto-me com o à vontade do teenager que vai à sua primeira festa e não sabe se há-de convidar alguém para dançar, se ficar a um canto a comer um croquete e a beber um sumo de laranja... (Confesso que já tinha saudades de me sentir assim. Isto de se dirigir pessoas e ser o líder supostamente infalível de equipas, cansa muito e acaba por ter muito pouco encanto).
Muitos e respeitosos beijinhos, e até breve (espero).
HJ
PS. - Não há perigo do Meritíssimo Procurador L. E. apresentar queixa por ter um artista descarado a abusar do mail e do tempo da sua cara metade? :-)

De acordo com esta troca de mensagens, cuja veracidade me foi garantida por uma das partes envolvidas, Herman José terá sabido quase desde a primeira hora que não iria ser pronunciado e escaparia ao julgamento do mediático processo. Daí a sua “confiança na Justiça”.
Além de Herman José, a magistrada que dirigiu a Instrução do processo Casa Pia, acabaria também por ilibar o ex-deputado do PS Paulo Pedroso e o arqueólogo subaquático Francisco Alves. Este último, viu retirados os crimes de lenocínio de que fora acusado e apenas foi a tribunal, num julgamento à parte, por posse ilegal de arma. A acusação ao arqueólogo subaquático tinha também algumas inconsistências, nomeadamente no que dizia respeito à descrição da sua casa por parte da testemunha que o acusava.O Ministério Público também não conseguiu concretizar uma relação de amizade entre ele e o ex-provedor da Casa Pia Manuel Abrantes.
Por terra ficou a acusação de 34 crimes de lenocínio e apoio à prática de prostituição, um desfecho de que Francisco Alves disse, na altura, também estar à espera. A juíza justificou a não pronúncia por aquele tipo de crimes com “a total ausência de provas”.
Anulada por Ana Teixeira e Silva foi também a acusação de 23 crimes de abuso sexual imputados a Paulo Pedroso no processo de pedofilia da Casa Pia. O ex-deputado livrou-se de ir a julgamento, porque a juíza chegou à seguinte conclusão: "A conjugação de várias circunstâncias coloca sérias e fundadas dúvidas sobre a qualidade e a validade da identificação do arguido Paulo Pedroso e inculca a forte convicção de que os ofendidos se enganaram quanto à mesma". Ou seja, a magistrada colocou em causa a credibilidade de todas as testemunhas/vítimas que acusaram Paulo Pedroso de ter estado em Elvas e de ter abusado deles. Um argumento complicado, que poderia ter servido para todos os outros arguidos, com excepção de Carlos Silvino. Usando-se a regra da analogia, os crimes alegadamente praticados em Elvas teriam caído todos em fase de Instrução. Porém, para evitar que tal acontecesse a a evidente má investigação do Ministério Público fosse colocada em causa, a juíza resolveu o assunto de forma simples e acusou os restantes sete arguidos, dando alguma credibilidade às supostas vítimas, salientando-se que “equívoco não é sinónimo de mentira” (despacho de pronúncia, p. 76-78). Assim, as vítimas enganaram-se sobre Paulo Pedroso, mas em relação aos outros arguidos a magistrada achou por bem que se fizesse prova em tribunal.
Uma nota para o facto de Ana Teixeira e Silva ter ficado assustada com os inúmeros abusos sexuais ocorridos no interior da Casa Pia de Lisboa e ter feito questão de deixar a sua estupefacção expressa no despacho de Instrução: "O que a análise destes autos desde logo revela é uma realidade impressionante", escreve a magistrada logo no início da decisão instrutória, prosseguindo: "Tão ou mais importante (se é que é possível graduar a sua relevância) do que a noticiada angariação de alunos menores da Casa Pia para práticas sexuais fora da instituição, é a dimensão assustadora dos relatos de ilícitos sexuais perpetrados dentro dos muros dos vários colégios, por inúmeras pessoas pertencentes ou ligadas à instituição, alunos mais velhos, educadores, professores e funcionários."
Para sustentar a sua afirmação, Ana Teixeira e Silva deu mesmo um exemplo: "A este propósito, não será de mais realçar a afirmação de um ex-director de um colégio da Casa Pia, que ali exerceu funções no período de 1974 até 1998: 'Importa ainda esclarecer (...) que os abusos sexuais dos alunos mais velhos para com os alunos mais novos eram tidos como uma tradição, enquadrando-se as atitudes de Carlos Silvino, como consequentes da mesma' Ou seja, o depoente realça que existia o hábito, por parte de alunos mais velhos, de abusarem, sexualmente e não só, dos alunos mais novos, tentando adquirir sobre eles um estatuto de um certo oportunismo, inclusive económico."
Durante a investigação do caso foi possível descobrir-se que havia indícios fortes de vários casos de abusos sexuais de alunos mais velhos sobre alunos mais novos na casa Pia. Um dos jovens que garantiu ter sido vítima de abusos perpetrados por Paulo Pedroso, Carlos Silvino, Ferreira Diniz, Manuel Abrantes e Carlos Cruz, estava referenciado nos autos como tendo também abusado sexualmente de pelo menos cinco colegas. Também uma testemunha do processo, confidente do alegado braço-direito de Carlos Silvino, denunciou nos autos uma tentativa de abuso de que foi vítima por parte de um aluno. As principais testemunhas do processo de pedofilia denunciaram igualmente vários alunos, ex-alunos, funcionários e professores da prática de abusos, mas os procuradores do Ministério Público João Guerra, Paula Soares e Cristina Faleiro apenas acharam relevante para o caso as descrições envolvendo os arguidos conhecidos.
Apesar das inúmeras denúncias de abusos internos que o Ministério Público recolheu ao longo da fase de inquérito, apenas foi constituído arguido e levado perante o juiz Rui Teixeira um funcionário da instituição: António Sanches, de 45 anos, que foi responsável pela secção de economato do Colégio Nuno Álvares. António Sanches foi referenciado no processo de pedofilia por um outro funcionário da instituição, que o acusou de abusos sexuais a quatro alunos, alegadamente ocorridos em Colares. Suspenso em Fevereiro de 2003 das suas funções na instituição, só em Novembro seria levado à presença de Rui Teixeira, que o colocou em prisão domiciliária. Foi julgado e condenado pela juíza Guilhermina Freitas, a mesma que depois confirmou as sentenças dos arguidos do processo principal no Tribunal da Relação. Ou seja, esta juíza já tinha tido intervenção no processo Casa Pia e deveria ter pedido escusa quando foi sorteada para decidir os recursos dos arguidos do mediático caso. Mas isso não aconteceu. Sanchez acabou por morrer na prisão, condenado apenas com base em testemunhos e também sem quaisquer outras provas materiais.
O Ministério Público é que não gostou da decisão de Ana Teixeira e Silva e recorreu para o Tribunal da Relação. Mas o recurso não foi parar à 9ª Secção daquele tribunal superior, que decidiu sempre a favor do Ministério Público, e sim à 5ª Secção e a procuradoria teve azar, porque Paulo Pedroso, Herman José e Francisco Alves foram mesmo ilibados pelo Tribunal da Relação de Lisboa. O acórdão disse, em síntese, que o Ministério Público não tinha provas para condenar estes arguidos. Em relação a Paulo Pedroso, os desembargadores Rodrigues Simão, Carlos Sousa e Mário Morgado afirmaram que “tem de concluir-se que não se encontram indícios suficientes de o arguido haver cometido os imputados 23 crimes de abuso sexual”. Quanto ao humorista Herman José, as provas de que não estava em Portugal na data referida pelo ofendido, conseguiram ilibá-lo de tal acusação. No que toca a Francisco Alves, a Relação conclui que não é possível provar que o arguido tinha conhecimento do que se passava na sua casa, onde alegadamente ocorriam crimes de abuso sexual de crianças.
Apesar de estar fora do processo, Herman acabou por ir a tribunal depor como testemunha e declarou que nunca conheceu o principal arguido no processo Casa Pia, Carlos Silvino, nem qualquer dos jovens envolvidos no caso. O humorista referiu que, antes de este caso ter sido revelado, só conheceu, "de passagem", o médico João Ferreira Diniz, num programa televisivo, e afirmou ter participado num jantar da UNESCO, em Paris, com o diplomata Jorge Ritto. Quanto a Carlos Cruz, já era seu conhecido há largos anos, embora nunca tivesse existido qualquer relação de amizade.

Herman José negou que alguma vez tivesse tido conhecimento de que Carlos Silvino levava crianças da Casa Pia à sua casa em Azeitão, revelando que frequenta pouco essa moradia, que não possui campaínha, sendo os caseiros que abrem a porta.

O humorista negou também que, durante a sua vida tivesse travado conhecimento com alunos da Casa Pia, embora salientasse que no Natal de 2002 participou num espectáculo na instituição, onde estariam muitas centenas de jovens. Nessa perspectiva -de artista e figura pública - admitiu, em resposta a uma pergunta do procurador João Aibéo, ser "passível de conhecer toda a gente", já que como actor tem de comunicar com o público.

Enfatizando não ser íntimo ou particularmente amigo de Carlos Cruz - tanto mais que "nunca privaram juntos" e sempre foram concorrentes como profissionais -, Herman José alegou que, do que soube da vida do apresentador de televisão, nada lhe faria supor que pudesse praticar quaisquer crimes de natureza sexual contra menores.

"Das muitas vezes que trabalhei com Cruz se tivesse a mínima suspeição sobre isso, recusar-me-ia a continuar a fazê-lo", afirmou, acrescentando que "nunca teve a mais pequena referência" de que Cruz pudesse de alguma forma estar envolvido em abuso de menores. Questionado sobre o caso de dois menores encontrados na casa do ex-embaixador Jorge Ritto no início dos anos 80 e sobre alegados abusos ocorridos na Torre das Argolas, na Costa da Caparica, em 1995, Herman José alegou desconhecimento de situações concretas, dizendo que na década de 1980 estava muito ocupado com os seus programas para ter sabido de algo. Quanto ao jovem que incriminava Carlos Cruz e outros arguidos e que é apontado como "o braço direito" de Carlos Silvino (Francisco Guerra), o actor disse ter "a convicção de que não o conhece", afirmando que chegou a ver uma pequena fotografia do mesmo quando teve cópias do processo como arguido.
José António Barreiros, advogado da Casa Pia na altura (abandonou o caso sem quaisquer explicações), quis saber do humorista por que razão este defendia que Cruz não estava envolvido em abusos sexuais quando nem sequer eram amigos ou privavam juntos, ao que a testemunha respondeu que, "como qualquer criador, sempre teve curiosidade intelectual em saber tudo" sobre o apresentador, nem que fosse "por coscuvilhice".
Regressando agora ao motivo que me levou a escrever este livro, ou seja, a credibilidade ou não das supostas testemunhas/vítimas, estamos na presença de mais um caso em que o jovem que faz a acusação tem tudo menos credibilidade. Desde logo porque apareceu em público com um nome falso, dando a cara nas televisões, revistas e jornais. Vando Teixeira é, agora, Bernardo Teixeira, o indivíduo que escreveu o livro “Porquê a Mim”. Durante todo o processo apenas acusou Carlos Silvino – que nega até hoje alguma vez ter abusado dele – e Herman José. Porém, depois de ter sido conhecida a sentença, apareceu em vários programas, nomeadamente no “Prós e Contras” da RTP 1, assegurando, a partir de então, que foi abusado por todos os arguidos. Esteve num confronto directo com outra testemunha/vítima, Ilídio Marques no programa “Querida Júlia” e disse que Ilídio se tinha vendido. Quando o confrontei com o porquê de estar a acusar todos os arguidos numa altura em que o julgamento já terminara, Vando/Bernardo Teixeira refugiou-se no silêncio. Mais tarde descobri que este indivíduo é frequentador e está registado em vários sites e grupos sociais de homossexualidade da Internet.
Não deixa de ser curioso que a ex-provedora da Casa Pia, Catalina Pestana, tenha afirmado acreditar que o alegado sequestro deste indivíduo, que foi encontrado no Feijó, em Almada, em Agosto de 2005, com ferimentos diversos, com o julgamento a decorrer, se inseria numa "estratégia de intimidação" das testemunhas do processo de pedofilia da Casa Pia. A ex- responsável da instituição considerou que o provável rapto de Vando/Bernardo, que já tinha deposto em julgamento por duas vezes, era uma manobra de amedrontamento de todas as vítimas arroladas para prestar depoimentos em tribunal. O alegado sequestro, perpetrado por três homens, terá acontecido no centro de Cascais, quando o rapaz regressava a casa, segundo a suposta vítima relatou, na altura, a elementos da Direcção Central de Combate ao Banditismo (responsável pela investigação). O jovem terá sentido uma pancada na nuca, desmaiado e quando acordou, segundo a sua versão, estava enclausurado no porta-bagagens de um automóvel de cor branca, cuja matrícula já foi identificada pela polícia, uma vez que o jovem conseguiu decorar a mesma. Esta teria sido a segunda vez que Vando/Bernardo foi alvo de violência física, mas, segundo contou, os seus sequestradores não lhe dirigiram palavra, tendo-o somente obrigado a tomar um comprimido, depois de este pontapear violentamente o porta-bagagens onde terá ficado fechado durante pelos menos dois dias.
As investigações da Polícia Judiciária acabaram por descobrir que o sequestro de Vando/Bernardo Teixeira nada teve a ver com os arguidos do processo Casa Pia, mas sim com um ajuste de contas entre homossexuais e dívidas que tinha para com um dos sequestradores.
Retirado da Casa Pia em 2003 (deu entrada no Colégio de Santa Catarina em 1998), Vando, perdão, Bernardo, era uma das testemunhas que acusava o principal arguido do processo Casa Pia, Carlos Silvino, de actos que valeram ao antigo motorista a acusação de cinco crimes de abuso sexual de pessoa internada, alegadamente cometidos quando o rapaz tinha 14 anos. Nos dias 1 e 17 de Junho, no Tribunal de Santa Clara, o jovem reiterou as acusações e, tal como havia feito na fase de inquérito, voltou a acusar Herman José de um acto de abuso sexual numa data (8 de Fevereiro de 2002) em que o humorista provou encontrar-se no Brasil. Face à insistência de Silvino em negar a prática de abusos sexuais contra o jovem, o advogado do ex-funcionário da Casa Pia decidiu requerer o arrolamento de Herman José como testemunha, de forma a provar que o rapaz estava a mentir. Este pedido foi aceite pela juíza Ana Peres, presidente do colectivo que julgou o processo, que considerou que o depoimento do actor poderia contribuir para apurar a verdade, mas foi indeferido o requerimento de uma acareação entre Carlos Silvino e Vando Teixeira. O ex-motorista queria estar cara a cara com aquele que me disse ser “uma donzela”.
Segundo o despacho de pronúncia, e de acordo com o relatório dos exames de perícia sobre a sua personalidade, Vando/Bernardo possui uma eficiência intelectual e cognitiva de nível superior e demonstrou ser consistente e coerente nos relatos dos abusos de que afirmou ter sido vítima. Credível?


Carlos Tomás

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