domingo, 27 de outubro de 2013

CASA PIA - ALEGADA VÍTIMA DE SILVINO DIZ QUE OS COLEGAS FORAM PAGOS PARA MENTIR




Fábio Cruz, de 25 anos, mais conhecido junto da opinião pública por “Joel” resolveu dar a cara e responder às declarações de Carlos Silvino, condenado a 15 anos de prisão no âmbito do processo de pedofilia na Casa Pia de Lisboa. O ex-motorista continua a garantir, mesmo na prisão da Carregueira, que não abusou de ninguém e que todo o caso não passa de uma mentira. O jovem que esteve na origem de todo o escândalo não esconde a sua revolta. Assegura que foi violado e recorda como tudo aconteceu na já longínqua Páscoa de 2001, em Vila Viçosa, no Alentejo. Apesar da dor que lhe vai na alma, Fábio Cruz garante que há jovens que estão a mentir em relação a alegados crimes praticados por outros arguidos do processo e que alguns só quiseram ganhar dinheiro e protagonismo. Mas o Notícias Sem Censura sabe que Fábio Cruz também não está a contar toda a verdade.

NSC– Fábio, o teu caso é que esteve na origem do escândalo de pedofilia na Casa Pia de Lisboa, quando a jornalista Felícia Cabrita denunciou que tinhas sido abusado por Carlos Silvino. O quê que aconteceu?
Fábio Cruz – Foi uma violação. Eu era aluno interno em Santa Catarina (…) Eu sou convidado pelo Carlos Silvino para ir a Vila Viçosa e participar num casamento que havia em Borba. Ele conheceu-me na Casa Pia, era motorista. Conheci-o numa viagem de férias da Casa Pia para Ferragudo. Nessa viagem houve um problema entre colegas na carrinha onde eu seguia e passaram-me para a carrinha do Carlos Silvino. Depois disso só o voltei a ver, tempos depois, no colégio do Rato. Fui cumprimentá-lo. Nessa altura nunca tinha ouvido falar nada acerca de pedofilia ou que ele abusava ou deixava de abusar. Começámos a ser amigos, ele vai-me dando algumas coisas, desde rebuçados, chocolates e uma caixa de lápis que era caríssima e ainda hoje é.
NCS – E tu não suspeitaste de nada?
F.C. – Não. A Casa Pia era a nossa segunda família. Nós não estranhávamos esse tipo de ajudas. Eu tinha uma “avó” que tratava da roupa em Santa Catarina e havia colegas que tratavam os funcionários por pais ou mães. Nós até gozávamos com o Carlos Silvino, recordando a música do Roberto Carlos “Quero buzinar o teu calhambeque”, isto por ele ser motorista. Ele era uma pessoa simpática e perguntou-me se eu queria que ele fosse o meu pai. Eu disse: por mim pode ser. Chamei-lhe algumas “pai” e tinha algum carinho por ele. Respeitava-o. Brincava, levava-me à praia, dava-me tudo o que eu precisava e nunca aconteceu nada. Um dia ele convidou-me para ir ao tal casamento, fomos no carro dele, a viagem foi horrível, porque chovia e trovejava muito. Lembro-me dessa viagem como se fosse hoje. Quando chegámos a Vila Viçosa fomos para casa de um casal amigo do Carlos Silvino. Trovejava muito. Eu não tinha medo, mas estávamos no meio do mato e sempre me disseram que quando trovejava não era bom estar ao pé de árvores. Não conseguia dormir e a dona da casa, a quem o Silvino tratava por mãe – sei que ele já lá tinha levado mais um rapaz -, perguntou-me se eu queria dormir no quarto do casal, que me faziam a cama no chão. Foi quando o Carlos Silvino disse que não era preciso e que eu dormia com ele. Na altura não vi qualquer problema nisso, porque não é nada de especial dois homens dormirem juntos. Eu fiquei do lado da parede e o Carlos Silvino começou a aproximar-se de mim. Fui-me chegando à parede, mas a determinada altura já não conseguia afastar-me. No quarto estavam duas caçadeiras penduradas. Sei agora que não estavam carregadas. Mas na altura não sabia. Eram armas e pronto. Ele mandou-me ficar calado, porque caso contrário já sabia o que me iria acontecer, e aconteceu a violação. Depois mandou-me levantar e fazer uma cama no chão. Nessa noite já não dormi, o casamento parecia que nunca mais acabava. Não disse nada a ninguém, porque estava rodeado de estranhos. Guardei tudo para mim, até ser obrigado a contar tudo à minha mãe e irmã. (nota: em tribunal o casal não confirmou esta versão).
NSC – Como é que a tua mãe e irmã descobrem?
F. C. – Fiz uma brincadeira estúpida. Meti uma bomba de mau cheiro por baixo da almofada da cadeira onde a minha mãe se costumava sentar para jogar numa consola de jogos e ao rebentar, a minha mãe começou a passar mal, porque ela é asmática crónica e não pode levar com cheiros intensos. A minha irmã veio, discutiu comigo, a ponto de me bater com a cabeça na parede. Chamou-me “paneleiro” e eu desatei a chorar. Ela achou estranha a reacção, porque não era a primeira vez que me chamava aquilo, mesmo no colégio era um termo muito utilizado entre nós e eu nunca tinha reagido assim. Ela então pressionou-me para explicar o que se tinha passado e eu acabei por contar.

NSC – A tua família fica a saber e depois o quê que acontece?
F. C. – Fomos ao Tribunal de Menores e dali mandaram-nos para a PJ. Foi aí que falei com uma inspectora, chamada Cristina Correia, que por acaso foi afastada assim “puf” do processo. Ela é que recebe a queixa e me encaminha para o Instituto de Medicina Legal. Fiz as perícias médicas, que me deixaram muito constrangido. Tive de contar a história na PJ e depois repetir o mesmo no Instituto. Se ainda hoje, como adulto, me custa recordar tudo, agora imagine o que foi para uma criança de 13 anos. Entre o abuso e o exame passou-se cerca de uma semana e meia.

NSC – O exame pericial confirmou o abuso?
F. C. – Eu sei o que sofri. Não tive acesso às perícias, mas a Medicina Legal apurou o que tinha de apurar e o certo é que o Carlos Silvino foi considerado culpado em tribunal. (nota: não foram feitas quaisquer perícias a Carlos Silvino e as de Fábio Cruz revelaram-se inconclusivas).

NSC – No julgamento como é que correram as coisas?
F. C. – Perguntaram-me o mesmo que na PJ, mas como as declarações já estavam nos autos, não foi preciso repetir tudo. O Dr. José Maria Martins (advogado de Carlos Silvino) é que me perguntava sempre as mesmas coisas e obteve as mesmas respostas.

NSC – Antes disso, logo após ser denunciado publicamente o teu abuso, surge o denominado “Processo Casa Pia”. Estavas à espera de que o teu caso originasse este escândalo?
F. C. – Nunca imaginei. Mas achei curioso ter sido chamado ao antigo Tribunal de Instrução Criminal para ser interrogado pelo inspector Dias André e pela coordenadora Rosa Mota, para me perguntarem se eu conhecia alguém. Disseram-me vários nomes e perguntavam: “conheces?” e eu dizia “não”, “tens a certeza?” e eu respondia “não, não conheço!”. É normal fazerem essas perguntas. Mas não vi lá outras testemunhas, não fui pressionado e ninguém me deu copos com água. A mim ninguém me obrigou a dizer nada.

NSC – Só foste abusado pelo Carlos Silvino.
F. C. – Sim e só uma vez em Vila Viçosa.

NSC – Depois outros jovens acusaram o Carlos Silvino e outras pessoas que vieram a ser constituídas arguidas no processo. Conhecias essas pessoas?
F. C. – Conhecia duas das vítimas, porque eram do Colégio de Santa Catarina. Mas só vim a saber disso mais tarde e também que elas acusavam outras pessoas. Se é verdade ou não é que não sei. Mas conheço agora duas outras vítimas que estiveram envolvidas noutros processos de abusos e que, pelo menos uma delas, não deve estar a contar a verdade, porque foi a um jornal pedir dinheiro para contar tudo e revelar uma “bomba”. Se ele fez isso, é porque não contou o que realmente aconteceu. E se queria dinheiro?…
NSC – Alguma vez tiveste protecção policial?
F. C. – Não. Nunca tive. Um dia a Polícia foi-me buscar ao Metro da Pontinha porque me disseram (por telefone) quanto é que queres para te calar. Eu disse que não queria nada, porque não estava a fazer nada por dinheiro. Pedi para identificarem o autor do telefonema, mas acabou por ser tudo esquecido. Fartei-me de pedir protecção, mas disseram-me sempre que eu não precisava.

NSC – Tu, de alguma forma, privaste com o Carlos Silvino. Era frequente veres o Silvino com os jovens que agora acusam estes arguidos?
F. C. – Não. Só vi o Carlos Silvino com duas pessoas com a minha idade e até penso que das duas vezes se tratava do mesmo jovem, porque numa das ocasiões só o vi de costas. E isto no carro dele. Também o vi com outro rapaz, um casapiano meu colega, num dia em que fomos à zona da Areia Branca buscar umas coisas, viemos a Lisboa descarregar e depois voltámos lá para descarregar outras. Não sei bem o nome da localidade, só me lembro que era altura da Volta a Portugal em Bicicleta, porque vimos os ciclistas a passar. Não aconteceu nada de especial. A pessoa a quem fomos levar as coisas deu-nos uma gorjeta e não foi como pagamento de quaisquer práticas sexuais.

NSC – O Carlos Silvino não voltou a tentar abusar de ti?
F. C. – Não. Aconteceu naquela vez, no fim-de-semana que se seguiu estava chateado com ele e depois apresentei queixa.

NSC – Ele nunca te convidou para participares em orgias, para teres actos sexuais com outras pessoas?
F. C. – Não. Mas acho que isso aconteceu porque eu cortei logo o mal pela raiz. Felizmente, tive o azar ou sorte de ter havido uma discussão e ter uma família.
NSC – Com o rebentar do escândalo a Casa Pia passa a estar do teu lado e passas a ter como defensor o Adelino Granja. Sempre te sentiste apoiado nesta luta?
F. C. – Não. Não me senti devidamente apoiado. É verdade que eu tentei abstrair-me um pouco ao longo deste tempo. O meu processo era um e de repente foi junto a outro e já lá vão 10 anos sobre a minha queixa. Este processo não tem oito anos, como se diz, mas sim 10. Esta é que é a verdade. Estou farto. Tenho de fazer a minha vida e de lutar por mim.

NSC – Já disseste que não conhecias todos os arguidos deste processo. Achas que eles são culpados?
F. C. – Pergunto, e acho que todas as pessoas deveriam perguntar o mesmo, se esta história faz sentido? Não digo que eles não sejam culpados, mas eu recebi (em 2006) uma indemnização de 50 mil euros, como todos os outros receberam. As outras pessoas para terem este dinheiro têm de trabalhar para o conseguir. Quem é que não gostava de não fazer nada e receber? Vejo neste processo pedidos de indemnização absurdos. Como um, que eu fiz as contas e fiquei chocado, que espera receber 320 mil euros. É uma loucura…

NSC – Achas que haverá interesses financeiros por trás das denúncias destes jovens?
F. C. – Sim. Digam-me: eles querem justiça ou dinheiro? Não me cabe na cabeça eles quererem justiça e dinheiro. Ou querem uma coisa, ou outra. Eu também fui abusado e não tenho nenhum pedido de indemnização. Recebi os 50 mil euros e essa, para mim, foi a indemnização. Agora pedirem absurdos…

NSC – Achas que há responsáveis que não estão sentados no banco dos réus?
F. C. – Acho, não, tenho quase a certeza. Não quero acusar ninguém. Mas há muitos nomes que faltam. (…) Não sei se o que as crianças dizem é verdade ou é mentira, mas há muito dinheiro em jogo. As testemunhas têm muito dinheiro em jogo para poderem mentir.

NSC – Elas podem estar a dizer o que dizem motivadas pelo dinheiro?
F. C. – Se as pessoas tivessem acesso aos números das indemnizações assustavam-se. E além das indemnizações ainda acrescentam juros. Desculpem, mas eu fiquei chocado. Valores absurdos. Só compreendo a indemnização pedida pela própria Casa Pia, mas até essa é exorbitante. Como é que é possível que o denominado braço direito, o Francisco Guerra, peça indemnizações. Eu sempre ouvi dizer que o braço direito de um mafioso é mafioso. O braço direito do ladrão é ladrão. Ele nunca deu a cara e de repente dá a cara para lançar o livro. É estranho. Nunca deu a cara e de repente decide: “vou dar a cara para lançar um livro e ver se ganho dinheiro”. O braço direito é um criminoso. Não compreendo como é possível ser-se abusado num colégio, de onde se sai pela mão do pedopsiquiatra Pedro Strecht, que se seja sempre acompanhado pelo médico e que quando volta a ser abusado não lhe peça novamente ajuda? Para isso não valia a pena ter saído do colégio onde estava. Acham isto normal? Eu não.

NSC – A Dra. Catalina Pestana ajudou-te?
F. C. – Ajudou, mas sei que foi por pressão de órgãos de comunicação social. A Catalina Pestana uma vez disse-me uma coisa curiosa: “Tu dizes sempre a mesma coisa”. Eu respondi-lhe que dizia o que se tinha passado. Mas para ela me perguntar isto será que os outros rapazes fizeram o mesmo. Também mantiveram sempre a mesma versão? Pormenores…

NSC – Havia uma rede de pedofilia a operar na Casa Pia de Lisboa?
F. C. – Não. Mas se havia ainda há. Não é por ter sido presa uma pessoa da Casa Pia que deixou de haver. Ele de certeza que não fazia aquilo sozinho. Há situações, mas se dizem que era uma rede, então isto só pode ser uma migalha. Além disso, na instituição também havia raparigas. Por que razão não se fala delas? Têm medo de outro escândalo? Há coisas aqui que não batem certo. Houve pessoas que foram afastadas do processo que não se percebe porquê, desde testemunhas, a investigadores, arguidos e juízes. Eu gostava que certas pessoas falassem a verdade.

NSC - Consideras que há pessoas que estão a mentir?
F. C. – Há pessoas que estão a mentir. Tanto arguidos como testemunhas. Algumas testemunhas estão a dizer coisas que, se calhar, não são bem verdade. Do tipo, “não fiz aquilo, mas se eu disser, se calhar as pessoas acreditam mais”. Ou seja, acrescentar um ponto, para ser um pouco mais credível. Como o próprio Adelino Granja disse, será que ninguém paga a ninguém? Será que não estão a pagar a testemunhas para falar? É engraçado que uma testemunha peça um absurdo de dinheiro para falar a um jornalista. Essa pessoa, que está presa no Brasil, que verdade é que iria contar? Estranho… Se esse pediu dinheiro, é porque sabe que os jornalistas dão dinheiro. Se ele falou com jornalistas no passado, então alguém teve de lhe pagar nessa altura para falar… São pormenores, pequenas falhas no processo que não foram investigadas ao pormenor.

NSC – Mas tens provas disso?
F. C. – Isso não me compete a mim. Mas quero ajudar a esclarecer isto. Não quero acusar ninguém e levar a opinião pública a ficar contra mim. Mas peço para todos fazerem uma reflexão e verem que há coisas que não batem certo e que o dinheiro faz milagres.

NSC – O Carlos Silvino está a proteger algum dos arguidos?
F. C. – Ele sempre esteve a proteger pessoas.

NSC – Dos que foram condenados?
F. C. – Não, dos que não foram sequer a tribunal. Protegeu muita gente que nunca esteve em tribunal. Disse meia dúzia de nomes e não disse o resto.

NTC – Alguns arguidos foram condenados. O acórdão (sentença) não esclarece bem as condenações?
F. C. – O acórdão? A Justiça não explica bem as coisas. Há muitas coisas por esclarecer. Há testemunhas que não me parecem credíveis, como esse que acusou alguns e que está no Brasil preso mas pediu agora dinheiro para falar. Isso deixa-me com a pulga atrás da orelha. O que tem ele para dizer que não tenha dito? Ele queria falar com um jornalista (Joaquim Oliveira do 24horas) em quem eu confio. Que nunca me ofereceu dinheiro para nada. É estranho, muito estranho…

NSC – És da opinião de que estas testemunhas estão a esconder alguma coisa?
F. C. – Sim, muitas sim. Não tenho dúvidas disso. Conforme se lê no processo, o que disseram na PJ no tribunal podiam acrescentar. Quantas é que não devem ter acrescentado? Não se esqueçam que no tribunal já foram interrogados como adultos. Um adulto sabe mentir perfeitamente, como o Carlos Silvino que só sabe mentir. Eu sei mentir. Todos nós sabemos mentir. Quem é que nunca mentiu? Não digo que todas as testemunhas estejam a mentir, mas algumas sim.

Carlos Tomás

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